Renovando sentimentos em relação a mim mesma

Querida Edy Maria!

Eu não poderia deixar de dizer-lhe antes de tudo, o quanto estou me sentindo realizada e feliz por estar fazendo o Curso de Hipnoterapia. É um grande presente para minha vida e para meu crescimento como pessoa e profissional. Quero deixar registrado aqui o meu sentimento especial sobre o trabalho que você fez comigo na pratica da penúltima aula que me ajudou infinitamente a me compreender e na cura de sentimentos que eu carreguei ao longo da minha existência (ainda me sinto sob o efeito daquele processo todo que aconteceu na  hipnoterapia).

Talvez eu só consiga relatar o que foi mais forte naquele momento, e me lembro fortemente do medo que senti ao “voltar numa cena de minha vida”. Senti um medo  terrível, à medida em que eu me via  voltando atrás, passando por camadas de minha vida, e retrocedendo, retrocedendo… de repente me vi dentro do útero de minha mãe. Mas eu não sentia nada por ela. Era como se nada me ligasse a ela, nenhum sentimento bom nenhum sentimento de vida ou de alegria. Só sentia medo. Eu não me sentia protegida, nem querida, nem desejada nem esperada. Sentia um medo terrível, um medo de morte. Me sentia ameaçada naquele lugar…queria fugir dali. (Neste momento estou me lembrando que sempre tento fugir de coisas importantes para minha vida. Sinto medo e dificuldades de ir em direção a coisas – tarefas, pessoas, lugares, sejam positivas ou negativas, é como um sentimento de incompetência, de que não conseguirei alcançar ou enfrentar ou resolver as situações de minha vida).

Voltando para a nossa sessão de Hipnoterapia, quando você me perguntou que idade eu tinha inicialmente, eu me vi com seis, depois cinco, quatro… depois no útero, um bebê prontinho pra nascer…tão bonitinho, mas assustado, olhos arregalados de medo, escondendo-se na parte de trás, entre os ossos da bacia do corpo da mãe, tentando me proteger de alguma forma e sem ter como fazer isso. Lembro bem que nessa viagem, até aquele lugar, inicialmente, eu senti como se meu coração fosse explodir, taquicardia, muita ansiedade, um medo terrível, igual ao que senti tantas vezes quando criança, diante das ameaças que meu pai fazia a todos da família, com armas de fogo, revolveres, espingarda que apontava para a cabeça da mãe e dizia que ia matar a todos nós (éramos quatro filhos). Muitas vezes nos ameaçava com um facão muito amolado que ele usava num sitio que possuía. Apanhávamos muito. Eu me sentia envergonhada e invadida, pois era subjugada, jogada ao  chão e ele me levantava por uma das pernas e me batia com mangueira dessas de água grossas e transparentes.

Essa violência foi se estendendo até o ginásio, quando eu tinha doze, treze, quatorze anos. Ele era espírita e fazia trabalhos com magia em casa, no porão e, quando eu ficava doente, ele me benzia mesmo contra minha vontade, e abria meu vestidinho que tinha botões na parte de trás para fazer sinais de cruzes com as mãos e aquela cruz ia até a divisão das nádegas. Eu sentia nojo, raiva, medo e minha mãe não fazia nada. Hoje, sei que ela era ,também, uma alma atormentada pelo meu pai que fazia ameaças, a ela, o tempo todo. Vi em fotos antigas que ela foi uma mulher bonita na juventude, mas a mulher que conheci arrancava os cabelos da cabeça e mastigava as raízes, nunca sorria nem brincava conosco, não podia se aproximar do meu irmão mais velho que era ainda um menino pois meu pai dizia que ela estava de “agarramento com filho macho” e nem nós que éramos irmãs dele podíamos nos aproximar. Mas quando meu pai e minha mãe saiam de casa, meu irmão me chamava pra “brincar e fazer como os cachorros faziam” ele propunha… e eu permitia aquela invasão consentida. O ato sexual não se consumou, não me lembro, mas eu vivi muito angustiada com aquilo que acontecia. O meu irmão se tornou pedófilo e abusou de minhas filhas ainda pequenas, do mesmo jeito que fez comigo. Hoje, ele vive perdido no limbo de uma doença mental – tornou – se  psicótico e  alcoólatra, desde os 15 anos de idade.

Não tínhamos roupas, sapatos, nem calcinha para vestir. Não tínhamos comida de boa qualidade,não podíamos ficar em casa com meu pai quando a mãe precisava sair e eu o ouvia dizer: “você deixa essas meninas – eu e minha irmã caçula – com a Floresta (minha tia irmã mais velha do meu pai) pois não vou ficar com “menina mulher” em casa. Meu pai era ignorante e analfabeto, veio de Baixo Guandu no Espírito Santo para Vitoria. Era Relojoeiro e tinha uma joalheria no centro da cidade e minha mãe tinha ido da cidade “De Serra no Espírito Santo”, onde vivia com os pais e irmãos numa fazenda. Ela foi para Vitoria aos 14 anos, levada por duas irmãs dela que eram católicas e irmãs de caridade e trabalhavam na Santa Casa Da Misericórdia. Minha mãe foi trabalhar na farmácia desta mesma instituição e nos passeios que fazia pela cidade com uma amiga da qual ela falava muito com saudade, ela acabou conhecendo meu pai que a seduziu. Ela engravidou de minha irmã mais velha – Vera  – e a família dela a rechaçou, pois não gostavam do meu pai que era muito mais velho do que ela – 16 anos – e deserdaram minha mãe. Todos os irmãos dela tinham uma vida abastada. Meu pai não deixou mais minha mãe trabalhar. Ela não gostava dele e dizia para os filhos menores que tinha nojo dele. Não quis mais dormir na mesma cama que ele desde o nascimento da primeira filha, embora ele sempre insistisse nisso até a morte dele que foi aos sessenta e sete anos. Era o sonho dele. As vezes me pego justificando os atos violentos dele com relação aos filhos por causa disto. Por ela não ter tentado de alguma forma construir aquele relacionamento. Quando ela precisava de alguma coisa dele, então ela deixava ele se aproximar. E eu via como ele ficava calmo e feliz e como a casa ficava com um pouco de paz. Nós tínhamos uma vida miserável em todos os sentidos. Eu não conseguia estudar. A angustia de ter que sair de casa e o medo que eu sentia de meu pai cumprir as ameaças que fazia e matar minha mãe estavam constantemente em minha vida. Eu fui uma criança triste e infeliz. Ameaçada e angustiada.

Edy Maria, voce acertou em cheio quando disse na ultima aula que minha historia é de dor… no útero!!! Sim, é isso mesmo! quando você falou isso, lembrei que desde pequena eu sentia dores na barriga intensas, como de parto, que duravam horas, que duravam dias. Minha mãe me mandava então deitar de barriga pra baixo pra passar a dor… e essas dores só pararam depois que casei. Eu menstruei aos quinze anos uma vez e somente depois de casada é que fui menstruar todo mês. Casei com 16 anos  e sete meses e tomei essa decisão por não aguentar mais aquela situação opressora naquela casa que ate hoje não tenho a menor vontade de visitar. Simplesmente não gosto daquele lugar, nem daquele bairro, nem daquela cidade. Lembro que, muitas vezes, ouvia minha mãe dizer que ia deixar meu pai e eu desejava isso com todas as minhas forças. Mas ela sempre voltava atrás. A maior parte do tempo da vida dela foi escondida sozinha, num cantinho apertado na laje da nossa casa, e as vezes eu a via chorando, me aproximava e punha as mãos no ombro dela pra abraçar, e era correspondida com uma bofetada no rosto e ela me mandava sair de perto dela. Nunca me abraçou, nunca me deu um beijo.

Eu via minha irmã caçula, mais nova que eu dois anos, sempre sendo pega no colo por ela, sendo abraçada; ela falava palavras carinhosas e amamentou essa irmã até os seis anos de idade. Eu pedia colo e ela dizia que eu era muito pesada. Posso lembrar nitidamente dessa cena: minha irmã deitada no colo dela na cozinha, mamando, enquanto ela ouvia rádio. Era terrível isso pra mim. Por essas razões todas, eu jamais escolheria esta mulher pra ser minha mãe de novo, nem em mil re encarnações! Entendo o que ela passou. Talvez, ate possa entender a razão. Mas é inaceitável o que ela fez comigo. O meu grito de dor e medo, o meu grito de morte eu transformei no grito de “quero nascer” na Hipnoterapia. E, agora, sei que posso escolher ser eu, a mãe de mim mesma , e cuidar e dar a mim o que preciso. Há muito tempo rompi com o sentimento de culpa por não gostar de meus pais. Mas, não tinha passado ainda por um processo tão profundo como nesse trabalho com você para me permitir escolher, agora, a mim mesma para cuidar de mim. Foi uma experiência maravilhosa, pois não penso que estou sendo mesquinha ou que não mereça atenção e cuidados. Eu mereço sim, e posso me dar tudo que preciso. Posso encontrar meus próprios caminhos.

Estou tentando fazer o melhor a partir de agora, como voce ensinou: sem medo e sem ansiedade. Tranquilamente. Esse é um fato novo em minha historia, um recomeço. E penso que eu tinha mesmo que começar indo onde estava a origem de todo este sofrimento: o útero e meu cérebro, sabiamente, me levou até a  raiz desse problema. Quero te dizer que sou muitíssimo grata a você por ter sido este instrumento, divinamente competente, para me ajudar a limpar essas lembranças, e renovar meus sentimentos a respeito de mim mesma.Se eu pensava, ou sentia, que não merecia estar viva, pois em algum lugar da historia da minha mãe fui um estorvo pra ela, já não penso mais assim. Eu mereço viver, a partir do momento que  naquela sua sala de reuniões, diante do testemunho de meus colegas, eu lutei por nascer. Foi uma luta contra o sentimento de morte, pois enquanto eu dizia que queria nascer (não sei se gritei, mas no meu intimo, lá no meu profundo, eu gritava e gritava e lutava), eu sabia que estava sozinha nesse propósito de nascer. Era uma decisão. Uma escolha. E a sua voz me deu força e segurança para que eu tivesse coragem de recomeçar, quando me disse: “você quer que eu te ajude a nascer? Sei que estou num processo agora. Sei que tenho que fazer muitas coisas por mim. Mas sei, também, que aquele “sentimento de morte” ficou lá atrás. Eu estou aqui, agora, comigo mesma e me cuidando da melhor forma que posso. E quero ir adiante. Tenho planos e sonhos para mim que sei, vão se concretizar, vou realizar, porque eu quero e mereço. Meus olhos começam a voltar-se para as órbitas e não os vejo mais arregalados pelo susto, pela ameaça. Meu semblante ficou mais calmo. Minhas feições ficaram mais bonitas…

Beijos no coração e muito obrigada pela oportunidade que você me proporcionou, por salvar minha vida, e me permitir e ajudar a renascer agora, de outro jeito, me aceitando e me recebendo com carinho e amor.

 

Sua aluna!
C.B.O

 

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